Mostrando postagens com marcador dramaturgos e roteiristas. Mostrar todas as postagens

Dramaturgo Chico de Assis - Mestre Chico de Assis

Eu tinha 14 anos, era ator em um grupo de teatro amador, quando soube do dramaturgo Chico de Assis. Suas peças teatrais, em especial seu Teatro de Cordel ("O testamento do cangaceiro"; "As aventuras de Ripió Lacraia"; e "Galileu da Galiléia") são muito encenadas por grupos amadores Brasil afora, e eu acabara de conhece-las através dos livros "Teatro da Juventude" quando fiquei sabendo do Projeto Ação Dramática. Tal projeto visava iniciar a formação de profissionais para o teatro, então tinha curso de cenografia, iluminação, direção, atuação e dramaturgia. Nunca saberei dizer ao certo a razão, mas escolhi o curso de dramaturgia, escolhi ser aluno de Chico de Assis. No primeiro ano eu mal abri a boca, pois tamanho conhecimento, e a forma como Chico sempre o expressou, me intimidavam. No segundo ano, já o conhecendo melhor, eu já formulavas algumas frases (e as falava em voz alta). No final do ano foi solicitado que todos os alunos deveriam escrever uma peça, seria a formatura dos jovens dramaturgos do projeto (eu sendo o mais jovem, então com 15 anos). Escrevi a "A canção de Gabud Aiar" e entreguei para sua leitura dramática frente a todos os demais alunos. Aquele foi o dia de maior apreensão de minha jovem vida, não sei de onde tirei coragem para entregar aquelas folhas datilografadas (sim, datilografadas) e repletas de erros gramaticais para a avaliação do Mestre Chico de Assis. Foi feita a leitura, ao final os protocolares aplausos e depois a avaliação de Chico de Assis. Ele fez as devidas observações sobre os erros, mas ao fim elogiou (os dois anos de aulas semanais não foram em vão). Eu já estava aliviado, mas ao saber que minha peça tinha sido uma das escolhidas para leitura dramática em público, o que ocorreria na Sociedade Lítero-Dramática Gastão Tojeiro em leitura que seria dirigida pelo próprio Chico de Assis (se não me engano, a única que ele próprio dirigiu), fiquei convicto de qual seria o meu papel no teatro: assim como Chico de Assis, eu seria um dramaturgo.

Após o fim do Projeto Ação Dramática fui ao SEMDA (Seminário  de Dramaturgia do Arena), onde minha formação como dramaturgo teve mais três anos dos valorosos e perspicazes (as vezes deliciosamente cruéis) ensinamentos do Mestre Chico de Assis. Entre estes ensinamentos estava a diferença entre um professor e um mestre: o professor professa seu conhecimento, é uma relação unidirecional onde o conhecimento está posto, é estático; o mestre ensina e aprende com cada um de seus discípulos,  o conhecimento não é uma coisa estática.

Aprendi a escrever, a dirigir, a desistir de atuar, a aprender e ensinar, a compartilhar, tudo com um só homem.

Chico de Assis é meu mestre. Continuará a ser, pois os mestres não morrem, eles passam a viver dentro de seus discípulos (em adaptação a uma frase dita por ele), e tenho certeza que Chico de Assis deixa centenas de discípulos. E cada um de nós, a partir do momento em que nos negamos a viver somente no planeta terra, expandindo a nossa cidadania para a galáxia, passamos a ser uma galáxia onde vive o cidadão Chico de Assis. 

Uma pessoa só morre quando suas ideias e obras morrem. O Mestre Chico de Assis vive, e viverá por muitos e muitos anos, talvez até a encenação em um teatro de outro planeta, porque deixa sua obra registrada no papel e suas ideias registradas nas pessoas (seus discípulos, seus espectadores).


Chico de Assis  *1931 † 2015 - Foto tirada em 09/2014 no lançamento do Vol.1 e Vol.2 de "O Teatro Seleto de Chico de Assis"


BECKETT - O PROMETEU SILENCIOSO


Samuel Beckett é retratado em texto do inglês Terry Eagleton.

O irlandês Samuel Beckett foi um niilista de esquerda que usou seu realismo sóbrio e sombrio para libertar a espécie humana dos totalitarismos. 

Samuel Beckett foi um artista cuja visão da existência humana era tão sombria e cética que ele conseguiu nascer não apenas numa sexta-feira 13 mas numa sexta-feira 13 que, além disso, foi uma Sexta-Feira Santa. Mais tarde, ele aludiria ao dia da morte de Cristo num chiste imortal em "Esperando Godot": "Um dos ladrões (do Calvário) se salvou. É uma porcentagem razoável".
O calendário de comemorações do centenário de Beckett é repleto de eventos literários que celebram a vida do pessimista mais cativante da era moderna -a maioria, é possível imaginar, repletos de comentários sobre a condição humana atemporal retratada em sua obra.
Nada poderia estar mais distante da verdade. Para começo de conversa, Beckett encarava essas interpretações portentosas de sua obra com o típico espírito de deboche irlandês. "Não enxerguem um símbolo onde nenhum foi pretendido", ele certa vez lembrou aos críticos.
Além disso, ele não era um espírito independente do tempo, mas um protestante irlandês do sul de seu país, integrante de uma minoria assediada por alienígenas culturais cercados dentro do triunfalista Estado católico livre. Enquanto mansões anglo-irlandesas eram incendiadas por republicanos durante a guerra da independência, muitos protestantes fugiram para a Inglaterra. A paranóia, a insegurança crônica e a marginalidade consciente de si da obra de Beckett fazem bem mais sentido quando vistas sob essa luz.
O mesmo pode ser dito da qualidade intransigente e destituída de qualquer excesso de seus escritos, com sua aversão protestante a enfeites e excessos de qualquer tipo. Se ele não demorou a abandonar a Irlanda e mudar-se para Paris, foi em parte porque, se fosse o caso de ficar sem casa, era possível sê-lo tão bem no exterior quanto em seu próprio país.
Como aconteceu com seu amigo James Joyce, outro nômade literário irlandês, o exílio interno não demorou a transformar-se em emigração literal. O sentimento de isolamento e alienação do artista irlandês podia facilmente se traduzir em angústia existencial modernista européia.
Beckett estava longe de se envergonhar por ser irlandês. Sua resposta célebre a um jornalista francês que, ingênuo, perguntou-lhe se ele era inglês foi "au contraire". Seu humor negro e satírico é uma característica não só pessoal mas cultural. Porém ele não conseguiu encontrar uma base segura de apoio no interior de seu introvertido Estado gaélico, e o minimalismo austero de sua arte é, entre outras coisas, uma crítica à retórica nacionalista inchada.


Arte fragmentária

Mas há uma qualidade distintamente irlandesa na deflação feita por Beckett do bombástico e extravagante, assim como há algo reconhecivelmente irlandês naquelas paisagens áridas e estagnadas onde, como vítimas coloniais, não se fazia nada a não ser ficar sentado, aguardando uma libertação ou um resgate.
Assim, não é surpreendente que esse mestre da arte dos despossuídos tenha se visto, em 1941, combatendo ao lado da Resistência francesa. Vivendo em Paris sob a ocupação alemã, ele se juntou a uma célula que fazia parte das Operações Especiais Britânicas e aplicou sua habilidade literária no trabalho de datilografar e traduzir informações secretas.
Quando a fachada atrás da qual a célula se escondia foi descoberta, muitos de seus companheiros foram deportados para campos de concentração. Beckett e sua mulher, Suzanne, conseguiram escapar de ser detidos por uma questão de dez minutos. Refugiaram-se em um pequeno povoado próximo a Paris, onde Beckett trabalhou no campo e voltou a se unir à Resistência.
Dessa vez suas tarefas incluíam montar emboscadas para alemães e recolher suprimentos enviados pela RAF [Força Aérea Britânica] por pára-quedas.
Em Paris, depois da guerra, ele e Suzanne passaram frio e fome, como o resto da população, e seus dedos muitas vezes estavam azuis de frio quando segurava a caneta. Mais tarde, receberia a Cruz de Guerra em homenagem a suas proezas na resistência clandestina.
Fato incomum entre artistas modernistas, esse suposto divulgador do niilismo era militante da esquerda, em lugar da direita. Defensor do ambíguo e do indeterminado, sua arte provisória e fragmentária é supremamente antitotalitária.
É também uma arte nascida à sombra de Auschwitz, que conserva sua fidelidade ao silêncio e ao terror ao enxugar sua linguagem, seus personagens e suas narrativas quase até o desaparecimento. É a obra de um homem que compreendia que o realismo sóbrio e sombrio serve à causa da emancipação humana melhor do que a utopia sonhadora.



Terry Eagleton é professor de teoria cultural na Universidade Manchester (Reino Unido) e autor de "Depois da Teoria" (Civilização Brasileira) e "A Ideologia da Estética" (Jorge Zahar) , entre outros. Este texto foi publicado no "Guardian".
Tradução de Clara Allain.


A escrita criativa por Kurt Vonnegut Jr.

Trechos da entrevista publicada no livro "Os Escritores"

Pergunta: Acha realmente que a arte de escrever de forma criativa pode ser ensinada?

VONNEGUT: Mais ou menos da mesma maneira que o golfe pode ser ensinado. Um profissional pode apontar falhas óbvias no seu modo de mover o taco. (...) Sei apenas a teoria.

Pergunta: Poderia expor a teoria em poucas palavras?

VONNEGUT: Ela foi formulada por Paul Engle, o fundador da Oficina de Escritores em Iowa. Ele me disse que, se a oficina um dia arrumasse um prédio próprio, estas palavras deveriam ser inscritas sobre a entrada: "Não leve isso tudo a sério".

Pergunta: E como isso poderia ajudar?

VONNEGUT: Faria os estudantes se lembrarem que estavam aprendendo a fazer brincadeiras. Se você faz as pessoas rirem ou chorarem por causa de pequenas marcas negras em folhas de papel branco, o que é isso a não ser uma brincadeira? Todas as grande linhas básicas de histórias são grandes brincadeiras nas quais as pessoas caem continuamente.

Pergunta: Pode dar um exemplo?

VONNEGUT: O romance gótico. Dezenas de coisas são publicadas todo ano e todas vendem. Meu amigo Borden escreveu recentemente um romance gótico apenas por diversão. Eu lhe perguntei qual era o enredo e ele disse: "Uma jovem arruma um emprego em uma casa velha e depois fica morrendo de medo lá dentro".

Pergunta: Mais alguns?

VONNEGUT: Os outros não são tão engraçados de se descrever. Alguém entra em apuros e depois escapa; alguém perde alguma coisa e a recupera; alguém é enganado e se vinga; Cinderela; alguém começa a andar para trás e a sua situação só piora cada vez mais; duas pessoas se apaixonam e outras atrapalham; uma pessoa virtuosa é falsamente acusada de um delito; uma pessoa má é julgada virtuosa; uma pessoa encara um desafio com bravura e tem sucesso ou não; uma pessoa mente; uma pessoa rouba; uma pessoa mata; uma pessoa pratica fornicação.

Pergunta: Me desculpe, mas esses são enredos muito antigos.

VONNEGUT: Eu lhe garanto que nenhum esquema de histórias modernas, mesmo sem enredo, dará a um leitor satisfação genuína, a menos que um destes enredos antigos seja introduzido em algum lugar. Não valorizo enredos como representações precisas da vida, mas como maneiras de manter o leitor lendo.

Quando eu ensinava redação criativa, dizia aos meus alunos para fazer com que seus personagens quisessem algo logo, mesmo que fosse apenas um copo d'água. Até personagens paralisados pela falta de sentido da vida moderna têm que beber água de tempos em tempos. (...) Quando você exclui o enredo, quando exclui alguém que deseje alguma coisa, você exclui o leitor, o que é uma atitude mesquinha. Você também pode excluir o leitor não contando imediatamente onde a história se desenrola e quem são estas pessoas. E você pode fazê-lo dormir se não colocar os personagens em confronto uns com os outros. Estudantes gostam de dizer que não apresentam conflito em seus textos porque as pessoas evitam conflitos na vida moderna. "A vida moderna é tão solitária...". Isso é preguiça. É o trabalho do escritor apresentar conflitos, para que os personagens digam coisas surpreendentes e reveladoras, eduquem e divirtam a todos nós. Se um escritor não sabe ou não quer fazer isso, deveria retirar-se do negócio.