O cinema dos roteiristas

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Texto de Álvaro de Moya* publicado em 2001 no Caderno de Cultura do Jornal Gazeta Mercantil
*Álvaro de Moya é escritor, produtor e diretor de cinema e televisão e professor aposentado da USP. Escreveu, entre outros, os livros Shazam! (Ed. Perspectiva, 1970), História da história em quadrinhos (Ed. Brasiliense, 1993) e O mundo de Walt Disney (Geração Editorial, 1996).

Existem muitos livros sobre diretores. Mas não existe um livro sequer sobre roteiristas de cinema. Alguns grandes roteiristas como John Howard Lawson, Dalton Trumbo, Cesare Zavattini e outros escreveram sobre o texto cinematográfico. Porém, uma obra sobre os melhores, nenhuma.
Há também a bíblia dos roteiristas brasileiros, o livreco de Syd Field – que jamais fez um roteiro de cinema – que ensina todos os chavões, clichês e lugares comuns dos filmes de Hollywood. Inclusive uma norma absurda, a reviravolta, jamais vista em clássico algum. Um completo equívoco. Tem gente por aqui que
leva a sério... Os roteiristas de cinema e TV, neste ano [2001], ameaçaram uma greve geral caso o nome deles continuasse em plano inferior, exigindo o mesmo tratamento dado aos diretores. Conseguiram. O roteirista Ernest Lehman foi homenageado, simbolizando os grandes escritores norte-americanos, na festa da Academia, ele que roteirizou Intriga internacional, Amor sublime amor, A embriaguez do sucesso, entre outros filmes importantes. Certos críticos de cinema também não ajudam. Só destacam os diretores. Como se eles tivessem total liberdade de filmar a história que quisessem! É sabido que Michael Curtiz, numa sexta-feira, recebia um comunicado interno dos chefões do estúdio para largar o filme que estava terminando e deveria rodar, a partir de segunda, outro filme. Nem lia os scripts! Muitos críticos – tal como Umberto Eco – não sabem separar o que é de interesse da produtora – e se ela é norte-americana, domina o mundo –, tampouco sabem o que é um argumento (escaleta), roteiro, diálogos, produção, direção, fotografia, bilheteria, marketing, promoção, divulgação, concessão ao gosto popular, efeitos especiais, interferência de Wall Street, dos bancos e picaretagem internacional. Por isso, embarcam em enganações, tipo Spielberg e George Lucas. 
O roteirista Dalton Trumbo

Por tentarem enganar os produtores e inserir qualidade nos textos, os roteiristas foram os mais perseguidos no macarthismo. A maioria dos presos e figurantes na famosa lista negra era de escritores. Hollywood sabe da importância do screenplay.

Alguns dos melhores roteiristas foram guindados a diretores: Billy Wilder, John Huston, Joseph L. Mankiewicz, Robert Rossen, Richard Brooks, Daniel Taradash, Lawrence Kasdan...  Roteiristas tiveram uma ou outra incursão na direção,como Ben Hecht e Dalton Trumbo, mas eram e continuaram escritores. Ben Hecht foi um dos Dalton Trumbo maiores, senão o maior de todos. Jornalista de Chicago, na caça às bruxas, recebeu uma cotação do FBI de cinco estrelas Stalin, tal como Chaplin. Este foi expulso para a Inglaterra. Mas os produtores não podiam prescindir de Hecht. Sua folha de serviço
inclui o primeiro Oscar de 1927/28, com o roteiro original de Paixão de Sangue, um dos primeiros filmes sobre gangsters, dirigido por Joseph Von Sternberg. Em 1931, um original seu, diversas vezes refilmado: A primeira página. No mesmo ano, Scarface – a vergonha de uma nação, com Paul Muni, direção de Howard Hawks. Em 1935, juntamente com o roteirista Charles MacArthur, ganhou o Oscar de história original com The scoundrel (não exibido no Brasil), dirigido pelos dois. Depois, em 1939, faria o belíssimo roteiro de O morro dos ventos uivantes, de William Wyler. Colaborou em diversas produções não creditadas, como E o vento levou. Este roteiro, assinado por Ben Hecht e Sidney Howard, ganhou o Oscar de 1939. O dramaturgo John Van Druten e o escritor F. Scott Fitzgerald também colaboraram, sem que seus nomes constassem dos letreiros.

Garson Kanin, dramaturgo, verteu para o cinema sua peça Nascida ontem (1950), que revelou Judy Holiday. Outro autor teatral, George Axelrod, teve obras vertidas para a tela, especialmente O pecado mora ao lado (1955), com Marilyn Monroe, e Em busca de um homem (1957), com Jayne Mansfield. Neste filme, um editor popular de pocket books decide publicar o clássico da literatura americana A letra escarlate, de Nathanael Hawthorne, e prefere mudar o título para A adúltera. O assessor, Tony Randall, revela que uma pesquisa demonstrou uma grande percentagem de norte-americanos que não sabia o que isso queria dizer. O editor desiste de publicar a obra...

Cartaz do filme Moby Dick

O escritor de ficção científica Ray Bradbury fez o roteiro do clássico Moby Dick (1956) para John Huston. Mas Orson Welles escreveu o sermão que interpretou, calcado no texto original de Herman Melville. John Steinbeck, Nobel de literatura, escreveu Um barco e nove destinos, de Hitchcock, e a versão de sua novela O pônei vermelho. F. Scott Fitzgerald não deu certo na Meca do Cinema como roteirista, mas seus romances sempre foram bem, como O grande Gatsby e Suave é a noite. William Faulkner se adaptou melhor como yes man em Hollywood, inclusive em Do destino ninguém foge, de 1955, e em À beira do abismo (1946), de Howard Hawks, do romance policial de Raymond Chandler. Lillian Hellman e Dashiell Hammett conseguiram manter seu nível literário e político nas produções em que participaram. Wladimir Nabokov também acertou, mas sem se meter em política. Gore Vidal começou como roteirista de TV adaptando Smoke Barn, de William Faulkner, e depois participou de diversos filmes como Ben-Hur (1959) e Calígula. Este foi o único filme a ter o nome do escritor, até então (tal como Fellini em seus filmes), no título: Gore Vidal’s Caligula. Outros escritores, como Norman Mailer, John Le Carré, Booth Tarkington, Upton Sinclair e Irwin Shaw (Guerra e Paz, 1956), também trabalharam no cinema.
O autor de Mas não se mata cavalos?, Horace McCoy, assinou o roteiro de Paixão de bravo, em 1952.
Os dramaturgos Robert E. Sherwood (O libertador, 1939), Maxwell Anderson (A Floresta petrificada, 1936), William Inge, Robert Bolt, Arthur Miller (Os desajustados, 1961), Christopher Isherwood, Clifford Odets (Conflito de duas almas, 1939, e Apenas um coração soIitário, 1944; sua peça The big knife foi dirigida em 1955 por Robert Aldrich, com roteiro de James Poe: A grande chantagem), Eugene O’Neill, Sam Shepard, Bertolt Brecht, todos colaboraram em scripts para Hollywood nos bons tempos.

Os autores de teleteatros clássicos ao vivo nos anos 1950, início da TV de Nova York, não fizeram feio, pelo contrário, ao partir para a telona. Paddy Chayefsky, ao verter sua telepeça Marty (1955), ganhou o Oscar e, pela primeira vez, um filme americano venceu a Palma de Ouro em Cannes, na França, quebrando a hegemonia dos europeus. Depois escreveu outros filmes premiados como Hospital, Oscar de 1971, e Rede de intrigas, Oscar de 1976. Rod Serling verteu para o cinema sua peça de TV Réquiem para um lutador (1962). Adaptou o livro de Pierre Boule, o primeiro e único Planeta dos macacos (1967). E, entre outros trabalhos, destaca-se a série para a telinha, depois filmes de episódios, Além da imaginação. Horton Foote, também oriundo da TV ao vivo, ganhou o Oscar em 1962, com O sol é para todos e, em 1983, com A força do carinho. Reginald Rose adaptou para Hollywood sua peça televisiva Doze homens e uma sentença (1957), estréia de Sidney Lumet na direção. J. P. Miller também veio da TV.

Dos quadrinhos, o assistente do Will Eisner, Jules Feiffer, escreveu Ânsia de Amar e Pequenos Assassinatos – ambos em 1971 – e Popeye, em 1980. Frank Miller, que revolucionou os comics com a versão Batman, o cavaleiro das trevas, influenciou o visual da série do homem morcego nas telonas, mas foi menos feliz no veículo cinema, roteirizando Robocop 2, 3, etc.

Charles Brackett era o parceiro de Billy Wilder em 1945, quando ganhou o Oscar com Farrapo humano. E, em 1950, com Crepúsculo dos deuses. Sozinho, em 1953, levou a estatueta de roteiro com Náufragos do Titanic e, depois, um Oscar especial. Foi coautor de Onze homens e um segredo, primeira versão. Billy Wilder, desde então, uniu-se ao romeno ltak Domminici que usa o pseudônimo de I. A. L. Diamond e  juntos ganharam o Oscar com Se meu apartamento falasse, em 1960. Ele já tinha escrito sozinho Loucos de amor, um dos primeiros filmes de Marilyn Monroe. Depois, se juntaram na comédia clássica Quanto mais quente melhor, de 1959. O filme termina com uma das mais famosas frases do cinema: “Ninguém é perfeito”. D. M. Marshman Jr. tinha ganhado o Oscar em 1950, como coautor de Crepúsculo dos Deuses, usando seu conhecimento de ex-jornalista. As grandes tiradas cínicas de William Holden são dele. Ele e Daniel Fuchs tinham escrito o roteiro de uma pequena obra-prima: O gângster (1947), última incursão na direção de Gordon Wiles, diretor de arte premiado com o Oscar em Náufragos do Titanic (também fizera a direção de arte de Vidocq e O retrato de Dorian Gray). Um dos primeiros filmes a relacionar gangsterismo com capitalismo. Daniel Fuchs ganhou o Oscar em 1955 com Ama-me ou esquece-me.
Já Budd Schulberg relacionou sindicalismo e gangsterismo em Sindicato de ladrões, de Elia Kazan, Oscar de 1954. Esta obra foi criticada, inclusive por Arthur Miller, por endeusar a delação nos tempos do macarthismo. Schulberg tinha escrito um romance contra os produtores de Hollywood: O que faz Sammy correr? Hal Smith, juntamente com Nathan E. Douglas, ganhou o prêmio da Academia em 1958, com Acorrentados. Antes, escrevera, com Kenneth Gamet, um pequeno grande filme: A Centelha, em 1948. Um trio no western: dois homens e uma mulher. E um cavalo, todos perdidos no deserto. Talvez o roteiro cinematográfico mais perfeito da história do cinema seja de Art Cohn em Punhos de Campeão (1949), da RKO, inspirado num poema de Joseph Moncure Marsh. O tempo de projeção da película, de 72 minutos, é igual ao tempo da ação dessa obra máxima sobre o boxe. Quando exibida na TV, é interrompida pelos comerciais, e tudo se perde. Mas, além de todas as qualidades da produção, é uma eloqüente análise da
violência entre os homens. Seu final triste foi vaiado pelo público na noite de estréia no Cine Bandeirantes, no Largo do Paissandu, em São Paulo. 

Cartaz de "Punhos de campeão"

Art Cohn morreu num desastre de avião, junto com o produtor Michael Todd, sobre o qual escrevia uma biografia. Deve ter tido uma participação não creditada em A volta ao mundo em 80 dias, Oscar de 1956. Cidadão Kane foi injustiçado no Oscar de 1941. Ouviram-se alguns “buuus” quando o filme foi anunciado como indicado para melhor filme, fotografia, música, ator, diretor etc. Só levou o melhor roteiro original, de Welles e Herman Mankiewicz (irmão de Joseph L. Mankiewicz). Orson jamais foi buscar essa estatueta. O jornalista Paulo Duarte, de O Estado de S. Paulo, viu-a como peso para manter uma porta aberta da Cinemateca de Nova York.

Uma mulher roteirista, Francis Marion, levou dois Oscars em seguida, em 1929/30 e 1931/32, respectivamente com O presídio e O campeão, do mestre King Vidor (devidamente massacrado por Franco Zefirelli em 1979). Marion Parsonnet produziu um roteiro brilhante para Gilda (1946). Segundo o estudioso francês Georges Sadoul, esse sucesso de bilheteria de Charles Vidor teria dupla leitura. O vilão George McReady é apaixonado pelo mocinho Glenn Ford e joga sua esposa Rita Hayworth nos braços dele. O dono do cassino introduz seu novo assistente nos aposentos particulares e luxuosos e pergunta para Gilda: “Are you decent?” Frances Goodrich sempre trabalhou com seu marido, Albert Hackett. Vindos da Broadway, escreveram brilhantemente diversos musicais, entre eles, talvez, o melhor de todos: O pirata (1948). Já Cantando na chuva (1952) foi roteirizado por Betty Comden e Adolph Green. Joan Harrison, além de produtora dos primeiros filmes americanos de Hitch, como Rebeca (1940), colaborou em seus roteiros. Sonya Levien co-adaptou O corcunda de Notre Dame (1939), de William Dieterle, com Charles Laughton. E ganhou o Oscar de 1955 com Melodia interrompida. Eleanore Griffin escreveu Imitação da vida, de 1959. As escritoras Anita Loos e Booth Tarkington colaboraram em vários de seus livros adaptados para o écran, assim como Claudine West. Edmund H. North fez o roteiro da ficção científica O dia em que a Terra parou (1951), drama pacifista de antevisão de avanços tecnológicos, alguns até hoje sem descoberta, como a cura do câncer e a ressurreição. Eugene Solow adaptou para o cinema, em 1939, a primeira versão de Ratos e homens, de John Steinbeck – e Horton Foote fez a honesta versão da mesma obra em 1992, dirigida por Gary Senise. 

Daniel Taradash, que tinha ganhado o Oscar de 1953 com A um passo da eternidade, desafiou a caça às bruxas escrevendo O despertar da tormenta, no qual Bette Davis faz uma bibliotecária que enfrenta a censura tentando banir livros subversivos de sua biblioteca. Em 1954, Philip Yordan levou a estatueta em A lança partida. O excelente James Poe colaborou em A volta ao mundo em 80 dias, Oscar 1956. E fez os roteiros de dois grandes filmes de Robert Aldrich: A grande chantagem (1955), e Morte sem glória, adaptado da peça teatral Fragile fox, ambos com Jack Palance. O Pentágono rejeitou colaborar com esta obra antibélica. Carl Foreman escreveu Matar ou morrer em 1952, sabendo que ia para a lista negra. Então colaborou no roteiro de A ponte do Rio Kwai tendo seu nome cortado dos créditos. Lamar Trotti levou o Oscar de 1944 com Wilson. Abby Mann escreveu O julgamento de Nuremberg, Oscar em 1961. Steve Tesich, em 1979, escreveu – e levou para casa a estatueta – o delicado e político O vencedor. A Academia fez jus ao premiar Mark Peploe, em 1977, com O último imperador. Ele voltaria a brilhar em Os imperdoáveis, de Clint Eastwood, desmistificando o western. Também acabou com o mito do herói americano tipo Frank Capra, em Herói por acidente (1992), interpretado por Dustin Hoffman. Richard Matheson é um injustiçado. Escreveu, em 1971, Encurralado, estréia de Steven Spielberg no cinema. Criou o terror em A casa da noite eterna e seu romance Em algum lugar do passado estourou nas bilheterias. Em geral, seus roteiros superam a direção. Já escritores de renome em sua época sumiram e perderam o prestígio, mesmo tendo escrito para John Ford, como Philip Dunne, James Agee, Sidney Bohem, Nunnaly Johnson, Dudley Nichols e outros. Calder Willingham adaptou para Stanley Kubrick Glória feita de sangue e, para a bela e única direção de MarIon Brando, o western original A face oculta. 

Os escritores da “fábrica dos sonhos” sempre foram discriminados. No restaurante dos estúdios da Metro ficavam isolados, sugestivamente à esquerda. Durante a Guerra Fria, diversos roteiristas foram presos ou para lista negra. Michael Wilson morava na casa do autor de A ponte do Rio Kwai, seu amigo Pierre Boule, e colaborou sem ter crédito. Em 1951, Wilson vencera o Oscar com Um lugar ao sol, baseado no livro Uma tragédia americana, de Theodore Dreiser. Em 1956, seu nome foi cortado dos letreiros de Sublime tentação. Em 1963, na lista negra, escreveu um filme marginal produzido pelos mineiros do Novo México, Sal da Terra. Foi dirigido por outro banido, Herbert Biberman, cuja esposa, a atriz Gale Sondergaard, não encontrava trabalho. Ring Lardner Jr., filho do grande escritor Ring Lardner, só conseguiu assinar em 1970, ganhando o Oscar com MASH. Dalton Trumbo conseguira, apelando para a Corte Suprema, restaurar seu nome em Hollywood. Tinha ganhado o Oscar usando o testa-de-ferro Ian McLellan Hunter no filme A princesa e o plebeu, em 1953. Ganhou outro Oscar com Arenas sangrentas com o falso nome de Robert Rich. No ano de 1961, Dama por um dia. Em 1965, Adeus às ilusões. Trumbo tinha um romance: Johnny got his gun. Convidou Buñuel para dirigir a versão fílmica, mas o espanhol não pôde. Então Dalton mesmo realizou Johnny vai à guerra. Sua lista de filmes importantes é imensa. Escreveu Kitty Foyle para Sam Wood, em 1940. Em 1950, O cúmplice das sombras, para Joseph Losey. Em 1960, diversos filmes: Exodus, de Otto Preminger, Spartacus, de Stanley Kubrick, e Sua última façanha, de David Miller. Em 1965, Havaí, de George Roy Hill, e em 1968, O homem de Kiev, de John Frankenheimer. Quando Trumbo estava atrás das grades, encontrou J.Parnell Thomas, o inquisidor de Hollywood, condenado por se apropriar de verbas do senado. Este era o patriota que julgava os antiamericanos.

O Senador  estadunidense Joseph McCarthy

Waldo Salt voltou do esquecimento com Perdidos na noite, ganhando o Oscar em 1969. Em 1978, de novo vencedor com Amargo regresso. Stanley Shapiro ganhou o Oscar em 1959 com Confidências à meia-noite e roteirizou Anáguas a bordo (1959). Quando a Associação dos Roteiristas fez uma cerimônia para homenagear os perseguidos de então, Shapiro estava Iá. E, no dia seguinte, morreu num acidente de carro. Os escritores que tiveram problemas, entre outros, foram Dashiell Hammett e Lillian Hellman, sua companheira, Hal Smith, Alvah Bessie, Albert Maltz (Alma torturada, de Frank Tuttle, 1942; Rumo a Tóquio, de Delmer Daves, 1943; O grande segredo, de Fritz Lang, 1946; e Cidade nua, de Jules Dassin, 1948), Samuel Ornitz, Lester Cole e John Howard Lawson (Bloqueio, de William Dieterle). O caso curioso é de Howard Koch, que roteirizara A guerra dos mundos, o famoso programa de rádio de Orson Welles. Tinha escrito Casablanca (com a famosa frase: “play it, Sam”) e Carta de uma desconhecida, adaptado de Stefan Zweig. Ia para Nova York trabalhar num roteiro quando o chefão do estúdio, Jack L. Warner, encomendou a ele um filme de boa vizinhança sobre o heroísmo dos parceiros na luta contra o nazismo, o Exército soviético. Koch objetou que não teria tempo. O chefão contratou uma secretária para ele ditar o roteiro no trem Los Angeles-Nova York. O roteirista acabou se casando com a secretária. Na caça às bruxas, Jack L. Warner denunciou Howard Koch por ter feito um filme glorificando os comunistas. Muy patrão! Recentemente, levantou-se a hipótese de haver um ranço de anti-semitismo, pois a maioria dos perseguidos era de judeus. Esse período da lnquisição passou. Agora, nem é mais necessário usar forças externas. Wall Street domina a indústria do entretenimento e quer ver apenas lucros e o Oscar é usado não mais para premiar grandes filmes, diretores ou roteiristas e sim para auferir mais lucros. Hollywood da Fábrica dos Sonhos virou fabriquinha de imprimir dólares.

A primeira fita européia a ganhar um Oscar na categoria roteiro original foi suíça, revelando o escritor Richard Schweizer: Maria Luiza. A ltália tem alguns dos melhores roteiristas do mundo. Cesare Zavattini é um deles. Mestre do neo-realismo, junto com o diretor Vittorio De Sica desde Vítimas da tormenta (Oscar 1947), passando por Ladrões de bicicleta (Oscar 1949), continuando com Milagre em Milão (1950), O teto (1955), Umberto D, Duas mulheres (Oscar de 1961 para Sophia Loren), até O jardim dos Finzi Contini, que levou o Oscar de 1971. Também roteirizou Quando a mulher erra e Ontem hoje e amanhã.
Com outros diretores, escreveu O coração manda (1942), de Blasetti; Trágica perseguição (1947), de De Santis; É primavera (1949), de Castellani; Três dias de amor (1949), de René Clément; O capote, versão do conto de Nicolai Gogol, para Lattuada, em 1952; e Adeus às armas, versão de Hemingway para Charles Vidor, em 1958. Zavattini teve participação importante na era de ouro do cinema italiano. No mesmo nível, Sergio Amidei: do início do neo-realismo até o moderno Casanova e a revolução. Foi um dos roteiristas de Roma, cidade aberta, de 1945, e colaborou em diversos filmes importantes desse período. Ontem, hoje e amanhã abiscoitou o Oscar de 1964 como melhor filme estrangeiro. Também colaborou em Vítimas da tormenta, de De Sica, Paisà, de Rossellini em 1946 e, com o mesmo diretor, Die Angst (1954) e Era noite em Roma (1961).
Um grupo de roteiristas italianos conseguiu furar a barreira protecionista do Oscar, saindo do gueto. Grandes escritores como Alberto Moravia, Mario Soldati, Mario Camerini, Tulio Pinelli e Ennio Flaianno (A trapaça), Franco Solinas (Queimada, com Marlon Brando), Ugo Pirri (Investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita), Patroni-Griffi, Massimo Mida e Furio Scarpelli assinaram obras no cinema da ltália. Luciano Vincenzoni é autor de diálogos brilhantes. E a maior roteirista do mundo é Suso Cecchi D’Amico, que trabalhava com Luchino Visconti. Todos esses e outros fazem do soggetto e da sceneggiatura uma base internacional do cinema autoral.

Cena do filme "Ladrão de bicicleta"

A França, tal coma a ltália, tem grandes roteiristas e escritores. O poeta Jean Cocteau realizou A bela e a fera, em 1946. Os escritores Marcel Aymé, Jacques Companeez, Sacha Guitry, André Malraux, Marcel Pagnol, todos beneficiados com o apoio que a França dá a seus intelectuais, puderam escrever e dirigir filmes. Até Pablo Picasso trabalhou em roteiros de filmes. E Salvador Dali colaborou no primeiro filme de Buñuel: Um cão andaluz. Marc Allégret foi roteirista até virar diretor para lançar Brigitte Bardot. Jean Aurenche, dos mais prolíficos escritores da França, roteirizou Sinfonia pastoral para Jean Dellanoy. Em 1936 escreveu O demônio da Algéria para Julien Duvivier. No ano seguinte, Um carnet de baile para o mesmo diretor. Em 1938, Hotel do Norte, para Marcel Carné; Fan-Fan La Tulipe, em 1952, para Christian- Jacque; e O mordomo, para Delannoy em 1964. Em 1965, para Clément, Paris está em chamas? Para Clément tinha escrito Gervaise, a flor do lodo, de Emile Zola. A parceria com Pierre Bost começou em 1942, com Lettres d’Amour; em 1946, escreveram o clássico Sinfonia pastoral e trabalharam para o prestigiado diretor Claude Autant-Lara em Adúltera (1947) e em O vermelho e o negro, o clássico romance moderno de Stendhal. Em 1950 Deus necessita de homens e, em 1952, outro grande filme, Brinquedo proibido. Em 1956 A travessia de Paris. E escreveram para Brigitte Bardot Amar é minha profissão, em 1958. Jean-Claude Carrière roteirizou os últimos filmes de Buñuel na França, inclusive O diário de uma camareira e A bela da tarde. Jean Louis Richard roteirizou para François Truffaut. Marguerite Duras, antes de dirigir, escreveu Hiroshima, meu amor para Alain Resnais. E do mesmo diretor, O ano passado em Marienbad, do escritor Alain Robbe-Grillet, criador do nouveau roman.

Charles Spaak foi, provavelmente, o roteirista mais importante do cinema francês. Começou em 1930 com La petite Lise e, em 1934, Pension Mimosas; então o clássico A bandeira, em 1935. No mesmo ano, A quermesse heróica e Camaradas. Em 1937, o clássico A grande ilusão. E a série de roteiros para Cayatte sobre a (in)justiça: começando com Direito de matar (1950), incluindo Somos todos assassinos. Pai da atriz Catherine Spaak, descoberta por Lattuada. Em 1947, Jean-Paul Sartre verteu Les jeux son faites para o cinema e, em 1957, fez o roteiro da versão francesa da peça teatral de Arthur Miller As feiticeiras de Salem, dirigido por Raymond Rouleau. Seu roteiro para Freud, além da alma, dirigido por John Huston, foi recusado. O autor de bandes dessinées René Goscinny já tinha morrido quando a sua criação virou a superprodução Astérix. Mas trabalhou em diversos roteiros divertidos, seja em longasmetragens seja em desenho animado. O poeta Jacques Prevert começou em 1935 com Le crime de Monsieur Lage. No ano seguinte, Jenny e, em 1937, Família exótica. No ano posterior, O mistério do colégio. Nesse mesmo período, Cais das sombras. Em 1939, Trágico amanhecer. De 1939, terminado em 1941, Águas tempestuosas. Em 1942, Lumière d’été mais o clássico Os visitantes da noite, e sua continuação (1944/45) O boulevard do crime. Em 1949, Os amantes de Verona. Em 1950 escreveu e narrou os comentários de Bim, filme de Albert Lamorrise. Jorge Semprún, escritor espanhol banido por Franco, radicado na França, roteirizou o filme político Z (1968), de Costa-Gavras e, juntos também, Estado de sítio (1973), além do filme de Alain Resnais A guerra acabou. 

Na Inglaterra o prêmio Nobel George Bernard Shaw ganhou o Oscar, em 1938, por ter adaptado sua peça teatral Pigmalião. Anos depois, em 1964, sua versão musical Minha bela dama levou oito estatuetas. Quando GBS recebeu o Nobel, em 1925, com sua ironia de sempre, declarou que naquele ano não tinha escrito nada. Acrescentou ter entendido a indireta, mas continuava a escrever suas peças desagradáveis mesmo assim.

George Bernard Shaw

Os ingleses Graham Greene, Noel Coward e Terence Rattingan (O príncipe encantado) colaboraram com o cinema. Destaque para o dramaturgo Harold Pinter que roteirizou os filmes ingleses de Joseph Losey (Estranho acidente, O mensageiro e O criado), na melhor fase desse diretor após ter sido banido de Hollywood. O cinema britânico deve muito a T.E.B. Clarke – que ganhou o Oscar em 1952 com O mistério da torre, revelando Alec Guinness –, numa série de comédias excepcionais com um humor que só os ingleses sabem fazer. As produções da Ealing emplacaram uma plêiade de comédias, As oito vítimas (1949), dirigida por Robert Hammer, onde Alec Guinness fazia oito papéis diferentes. E, dirigido por Mackendrick, O homem do temo branco (1951). A série terminou com O quinteto da morte (1955), também dirigido por Mackendrick. Emeric Pressburger ganhou, nos EUA, a estatueta da Academia com a história original lnvasão de bárbaros, em 1942.

O escritor alemão Erich Maria Remarque teve seu romance pacifista Nada de novo no front, filmado em Hollywood por Lewis Milestone em 1931. O cinema japonês teve Kaneto Shindo como co-roteirista, junto com Matsubaro Kawaguchi, de um dos maiores filmes da história do cinema, Contos da lua vaga, antes de se tornar diretor de obras-primas corno a Ilha nua (premiado em Moscou), Onibaba e outros grandes filmes. Shinobu Hashimoto escreveu Os sete samurais, de Akira Kurosawa, que foi também vertido para o
cenário western em Hollywood. Takeshi Shimura, Hideo Oguni e outros roteiristas ajudaram os diretores japoneses a adquirirem um grande prestígio no Ocidente.

É preciso ver os clássicos da Sétima Arte que perduram e comparar com filmes que, à sua época, impressionaram e hoje envelheceram, ficaram datados e servem apenas para retratar os interesses de uma época. Há uma diferença fundamental entre filme acadêmico e clássico. O mercado, os grandes estúdios, os produtores independentes, os astros da hora, os bancos, Wall Street, a Bolsa, o Oscar, o judaísmo, o patriotismo, a guerra do momento, tudo isso é que determina uma realização

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